domingo, 29 de novembro de 2015


FELIZ NATAL Quem chega a Santo Antônio do Muqui, um distrito rural do município de Mimoso do Sul, no Espírito Santo, logo percebe o coreto, quase no centro daquela vila. Seus moradores respiram cultura, terra dos poetas e escritores: José Arrabal Fernandes, (Dr. Juca), Arcipio Calegario, Honorina Lopes Barbosa, (in memoriam), Antonio de Pádua, Jesa Amado Vivas, Rozimere Gama Saluci de Almeida, José Luiz Barros e outros. São eles que nos faz viajar nas recordações ao correr do tempo. Conta Alci Santos Vivas Amado: Estamos no final da década de 50. Antonio que ficara viúvo, muito cedo, e com uma filha pequena, casa-se novamente e dessa união nascem mais dois filhos. O tempo passa e Ana, filha do primeiro casamento e seus irmãos por parte de pai, já fazem parte da juventude da vila: - Olha aquele rapaz! Parece artista! - exclama Ana. Era um jovem moreno de estatura média, vestido com uma calça de boca muito larga cor bege, tecido panamá, e uma camisa branca. Estava ele mãos nos bolsos, talvez as aquecesse devido ao frio, parado próximo á venda do Sr. Jamil Assad, olhando distraidamente para um armário amarelo, fazia parte de uma vitrine onde guardava um telefone modelo manivela que a casa comercial, talvez a guardasse para exposição. Ana fica ansiosa para conhecer o visitante. Coisa de moça do interior. Ela dá meia volta e retorna, mas o jovem não estava mais admirando a vitrina. - Será que ele já foi? – reflete consigo mesma e deixa o local. Naquele mesmo dia, ao voltar da capela de Santo Antônio, onde fora participar do culto de domingo, Ana dá de encontro com o tal jovem, mas agora num estado bem diferente. Ele estava alcoolizado e deitado na calçada que fazia parte da casa do Sr. Alfredo Lopes da Rocha, ela passou perto e fingiu não tê-lo visto. No mês seguinte, ela soube que o tal jovem viera da capital, Rio de Janeiro, pois seus pais não mais o suportavam, apesar de ser o único filho; contudo Ana estava encantada e o jovem não saia de seus pensamentos. O natal de 1965 se aproximava, a vila esperava como aconteciam todos os anos, o folclórico religioso – “As Pastorinhas” – no qual Ana fazia parte, interpretava a “Jardineira”. Logo a sua apresentação viria a Folia de Reis. Naquele momento a jovem preocupada se questiona: - E se ele estiver aqui? O que farei na minha apresentação? À meia noite, em frente ao presépio, a pastorinha “Jardineira” começou a bailar para receber a chegada do nascimento do menino Jesus; o jovem forasteiro estava lá, as pernas e mãos de Ana ficaram trêmulas, seu coração disparou, e seus olhares se cruzaram. No dia seguinte, 25 de dezembro, como armação do destino, aconteceu um encontro inesperado – cara a cara – - Nossa, você! – exclama Ana. - Sim, já sei tudo de você... Nome... Seu pai é fazendeiro da região... - Mas como? Disseram-me que és da capital... Meu Deus! Como posso estar falando com você, nem lhe conheço. - Meu nome é José, estou aqui para seguir meu destino. A minha estória é grande e devo lhe relatar por inteira, mas vou começar a lhe dizer: “Necessito de sua presença junto a mim, desde que a vi, meus dias tornaram-se diferentes, eu não consigo afastar você de meus pensamentos, embora ainda, eu não a conheça. “Foi assim o nosso encontro, papai foi contra o namoro, dizia ser José uma família desconhecida e, além disso, um dependente do álcool. Mas engravidei, meus pais marcaram e apressaram a data do casamento. No inicio da vida a dois, foi tudo maravilhoso. José que ainda não terminara a faculdade de odontologia... Mesmo assim meu pai montou para ele um consultório dentário e ele começou a trabalhar. Nossa filha Marisa nasceu, morávamos numa casa, nos arredores da vila, cedida por meu pai, vivíamos com algumas dificuldades no relacionamento. Em quatro anos de casados, José se embriagou por dezenas de vezes, em algumas sem perder o estado sóbrio. Mas o clima começou a mudar drasticamente entre nós. Ele tinha um ciúme doentio, ás vezes, seu olhar me assustava, ele investia contra mim argumentando coisas sem sentido, que não existiam, ou que eu não tinha como responder. Nosso relacionamento estava casa vez pior, ele me batia, me agredia com palavras, também... Marisa completara cinco anos e já havia presenciado muitas cenas horríveis entre nós. Minha madrasta e meu pai, que contribuíam com mesada e alimentação, resolveram parar de me ajudar, a fim de que eu abandonasse aquele inferno em que vivíamos; mas apesar de tudo, ainda, eu amava meu marido. Perdeu a confiança da comunidade, os clientes se afastaram motivado pela bebedeira, e assim perdeu o emprego, e sem o apoio financeiro dos meus pais passou a se embriagar constantemente. Por muitas vezes encontrei-o caído pelas ruas do distrito. Meses depois, José recebeu uma correspondência de um advogado da capital, no qual informava a morte de seus pais ocorrida por um acidente automobilístico, e que ele era o único herdeiro. E assim foi o nosso adeus; lembro-me que no dia de sua partida, ele estava totalmente embriagado e tendo as mãos uma garrafa de pinga, pedi-lhe que me deixasse algum dinheiro, pois Marisa estava reclamando de fome, e eu não tinha si quer uma moeda para comprar 1 litro de leite. Foi lamentável a cena, puxou-me pelos cabelos e esbofeteou-me a face; quase não se equilibrando o corpo, retirou do bolso uma moeda de 100 Reis e, colocou em minhas mãos. Desesperada, mais por sentir o estado da minha filha, chorando lhe disse: - Só essa moeda! Como posso sustentar a nossa filha? E ele sarcasticamente respondeu: - Vire-se! - Não é praga... Mas algum dia lhe darei esse troco. Respondi. Passado algum tempo, mudei para a cidade de Mimoso do Sul e renunciei ao vínculo familiar; tinha o orgulho machucado, quando não aceitei os conselhos de meu pai, interferências ou críticas à vida que eu levava com José. Arrumei trabalho, lavando e passando roupas para a vizinhança, e assim sustentava-nos, Marisa e eu. O tempo voava, e nunca mais ouvi falar de José, minha filha já estudava o Curso de Habilitação para o Exercício do Magistério, no Colégio Estadual da cidade. Carregava a esperança de ver nossa vida melhorar, pois numa ocasião, em uma palestra dada no Salão Paroquial ouvi uma reflexão: “Certa caixa, muito bem embrulhada conservava em seu interior filosofias da vida.” Alguém muito curioso tentou abri-la, e de dentro dessa, escaparam a droga, o adultério, a traição... Esse “alguém muito espantado fechou-a com rapidez, e ainda, nela ficou presa a esperança...” Verão, 1976, calor escaldante, minha filha chegou do colégio dizendo que um idoso de barba grisalha, sentado no banco da praça, chamou sua atenção e a deixou intrigada pela sujeira que o mesmo apresentava, comentei com ela: - Algumas pessoas não têm sorte na vida e outras quando tem joga fora. Fim de ano, grande momento esperado: a formatura de Marisa. Estávamos felizes, no quintal eu recolhia as roupas secas do varal, enquanto minha filha, na sala, dava os últimos retoques no vestido de solenidades de Formatura e no arranjo do cabelo. - “Ó de casa”. Alguém chamava no portão, gritei para que Marisa atendesse. Observei de longe, um idoso, que pela aparência era o tal de barba grisalha, mencionado por Marisa. Aproximei-me, sem que eles notassem a minha presença tentando ouvir o diálogo entre os dois, e quase que fiz uma arte ao esbarrar na árvore de Natal que eu mesma armara com tanto cuidado para saudar a memória do nascimento de Jesus. Vi que minha filha após um breve diálogo entrou na cozinha, logo voltou trazendo um pedaço de pão com manteiga, uma xícara de café com leite e entregou ao homem, que permaneceu ali comendo e bebendo. Afastei-me silenciosamente e entrei para outro cômodo da casa, levando as roupas recolhidas do varal; nesse momento Marisa veio ao meu encontro: - Mãe, aquele cidadão que lhe contei outro dia, está aí na porta, dizendo-se faminto, então lhe levei café e pão. - Bondosa atitude! – elogiei. - Mãe tem aí algum dinheiro trocado, pois o mendigo me pediu? Lamentei, pois não havia dinheiro algum, gastara tudo com as compras para a formatura, porém nesse exato momento me veio uma recordação, ao correr do tempo: Quando José partiu, deixou uma moeda de 100 Reis, que eu havia colocado num bule de louça para café. E repliquei: -Filha, há uma antiga moeda dentro do bule sobre o armário, pegue-a e entregue ao velho, nos dias atuais essa não vale nada, mas o seu valor pode até dobrar por ser uma moeda de prata. Um silêncio tomou conta do ambiente, imagens do passado vieram à minha mente, pensei que estivesse sonhando, e sem poder controlar minha própria emoção meus passos seguiram os de minha filha e fomos juntas até o portão. Como Deus enviou seu único filho para nos salvar, não me atemorizei e disse: - Feliz Natal, José! O homem se levanta, o túnel do tempo os coloca frente a frente, após tantas vidas desfeitas pela história. Marisa está ali, parada, não entendendo nada... Até que: - Mãe você o conhece? - Este é o seu pai, minha filha!” A história conta que Ana perdoa o marido e ela acrescentou: - Perdoar não é reconciliar.

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